Luiza entra no quarto, abre a janela e deixa a claridade invadir o ambiente.
- Maria, levanta Maria são 8h.
- Mais cinco minutinhos, só mais cinco minutinhos.
- Não Maria, não há tempo, queres que eu passe-lhe a agenda do dia:
- Levante-se, já preparei o seu banho que deve se estender no máximo até às 8h30, depois café, ler o jornal do dia, às 9h o motorista a levará para o inglês, às 10h30 francês, às 12h o almoço, às 13h balé, às 14h aulas de etiqueta, às 16h chá da tarde com seus avós, às 18h novo banho e esteja pronta para o jantar às 19h, também está marcado que às 20h virão os pais e seu futuro marido para conhecê-la, ainda não tenho um histórico breve de quem seja a família e o que faz o rapaz, certamente é um moço à sua altura, mas, não diga a seu pai que sabe, ele pediu segredo.
- Mais cinco minutinhos Luiza, por Deus!
-Sabe que não dá para fugir dos seus afazeres, mas, não devia fazer isso tudo com tanto sofrimento, és privilegiada, és rica. Quem dera, eu ter uma vida como a sua, tem tudo, não lhe falta nada. Tem conhecimento, cultura, dinheiro, beleza, sorte e amor,pois, és muito amada por seus pais, seus avós e por essa criada que cuidou de você desde que nasceu e que se dedica integralmente a sua vida.
-Ok, Lu, Ok! Já estou de pé. Sei, sei que me amam, que me adoram, que fazem tudo por mim. Tudo mesmo, até marido me arrumam. Mas, todo dia essa mesma rotina, isso cansa-me.
-Ontem, quando saí do francês e fui almoçar naquele restaurante de sempre, o melhor da cidade, deparei-me com uma turma da minha idade, eles estavam sentados na calçada e comiam um cachorro quente, dividiam um copo de suco, acredito eu que deu um gole só, pois, eram cinco ou seis pessoas, preferi uma mesa perto da janela, assim pude observar todos eles, divertiam-se tanto, falavam do professor que ficou nervoso com uma brincadeirinha maldosa de um deles, falavam de um filme que tinham assistido, do show esperado naquele bar alternativo, falavam de música, de livro, faziam cócegas um no outro, riam, se abraçavam, parece-me que não existia diferença entre homem e mulher, todos eles, se entendiam tão bem. Aquele prato diferenciado que o garçom oferecera-me, estava tão gostoso, tão bem feito, mas, tive vontade mesmo de comer também um cachorro quente. Luiza, eu não ouvi em momento algum as meninas falando de balé, inglês, francês, aulas de etiqueta, chá da tarde com pessoas mais velhas, não falaram sobre nada disso.
-Eu é que não lembro de nunca ter tido amigos, não me sobra tempo. Minha vida é cronometrada por meus pais e por você.
-Deixe de besteira menina, é claro que não falariam sobre nada disso, se dividiam um único suco, demonstra-te que são pobres, e como já disse, você é privilegiada e eles com certeza não, agora já falou demais, termine esse banho e vá tomar o seu café.
-Eles até podem ser pobres, mas, pareciam ser tão felizes.
-Termine esse banho Maria, feliz é você que tem dinheiro, beleza e tudo o que quiser.
-Quero ter amigos, quero conhecer outros lugares, pessoas diferentes, não apenas esses filhos e filhas dos amigos de meus pais que hora ou outra vem para um almoço, para um jantar e eles frisam que hoje teremos a visita dos amigos. Amigos deles, deles não meus!
-Maria, Maria, não fique questionando tanto as coisas, suas aulas de etiqueta são exatamente para que você não tenha esse discurso grosseiro, irônico e contestador. Mas, não se preocupe, não contarei para seu pai.
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