domingo, 13 de dezembro de 2009

Um homem atravessa a Rua...

Um homem atravessa a Rua...
Não a rua, mas, aquela rua. Rua Alemanha. Localizada no Bairro Jardim Europa, na cidade de Sorocaba.
Algumas lombadas, alguns buracos, algumas casas, velhas e novas casas. As velhas são dos moradores que fundaram o bairro, assim como meu pai, as novas, são de moradores que apostaram nesse bairro de classe média.
São poucas as casas dessa rua. Também existe aqui uma igreja “Salão do Reino das Testemunhas de Jeová”.
Sempre existiu uma inquietação em mim. Testemunhas de Jeová?
Títulos, Signos? De acordo com a fé, hão de ser sim testemunhas, servos, ou o que quer que seja.
Em dia de reunião, sempre há um grande movimento nessa rua. Só assim, só “as testemunhas” para fazer essa rua “bombar”.
“Bombar” no bom sentido, bairro de classe média é realmente um tédio para morar. Alguns amiguinhos da escola moravam na periferia e diziam que lá sim, é que existia vida...
Pode ser. Mas, o homem, o homem atravessa a rua. Não! ele, não foi em direção ao salão das testemunhas.
Homem, descrente será? Ateu, será? Observo cada passo desse homem. Passos lentos, serenos. O rosto é belo, que homem belo. Bem vestido, cheiroso. Deve ter uns 22 ou 23 anos.
Ele não notou minha presença. Estava sentada na calçada em frente a minha casa. Observando esse homem. Não! definitivamente ele não me notaria, eu de apenas 14 anos. Uma criança. Uma criança.
Que bom seria se adulta fosse? E tivesse sorte. E chegasse a ele. Que bom seria, se por um instante, ele me notasse e me demonstrasse que ele me queria.
-Vem almoçar! (É minha mãe chamando). - Vem Almoçar Judite! - Já vou mãe.
- Já vou!
Judite... Ele deve ter escutado o meu nome. Lá na escola tiram sarro, dizem que o meu nome é nome de velha. Se ele pensasse assim, talvez, olhasse, olhasse para mim. Por um minuto, apenas por um minuto, amei meu nome. Atravessou a rua e do outro lado da calçada, ali, em minha frente fala ao celular. Parece que procura o vizinho, aperta a campainha e ninguém atende.
Ele podia perguntar-me sobre o vizinho. Eu sei que o seu Dito trabalha o dia todo e só volta quando já está de noite. O seu Dito mora sozinho perdeu a mulher há pouco tempo. Ouvi minha mãe dizendo para o pai:
- Coitado do seu Dito, que sofrimento, 40 anos de casado, sem filhos, agora sem mulher. Temos que dar um apoio. Desde então quando ele chega do trabalho e eu estou na minha calçada. Vou logo puxando papo.
-Tudo bem seu Dito? Hoje o dia do Sr. foi legal? Separei uns tomatinhos cerejas que o Sr. tanto gosta. Seu Dito, qualquer hora dessas vem jantar em casa?
Seu Dito é calado, ele somente solta um sorrisinho meigo. Eu acho que ele gosta de mim.
Tive coragem. - Moço está à procura do seu Dito?
- Sim.
- Ele só volta a noite.
- Aluguei a edícula dele. Trouxe todas as minhas coisas. Pensei que já pudesse acomodar-me.
- Acomode-se em casa, enquanto ele não chega. Almoce conosco. Já que seremos vizinhos.
Batia forte o meu peito. Minhas amigas diziam dessa tal coisa e somente ali eu entendi o que era. O que era amar. Amor a primeira vista. Sim, foi o que senti.
-Obrigado, mas, não posso aceitar. Mas, muito obrigado mesmo Judite, você é uma menina muito gentil.
Fiquei quieta. Muda.
Ele atravessa a rua. Vem em minha direção. Suei frio. Ele pára em minha frente e pede para eu avisar o seu Dito que a noite ele volta.
Foi para o carro.
Estou aqui na calçada. O seu Dito há três anos faleceu. Falaram que ele morreu de tristeza.
Coitado do seu Dito. Há oito anos eu espero todas, todas as noites que aquele belo moço, lindo moço, volte à casa do seu Dito. Coitada de mim!
Ele nunca mais voltou. Mas, a cena está tão viva em minha mente é a gostosa nostalgia de enxergá-lo em minha lembrança todo o tempo. Aquele lindo homem que atravessa a rua.
Seu nome? Não sei! Onde estás? Não sei. Quem é? Não sei.
Não me importo, entendi que como o nome da igreja, tudo é título.
Mas esse amor está aqui latente no meu peito. Atravesso a Rua.
Comprei a casa de seu Dito e a qualquer momento, penso que a campainha vai tocar e esse homem vai lembrar.
- Judite!

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