segunda-feira, 13 de outubro de 2008

PLANTÃO

Dr Alcides, clínico geral respeitadíssimo, trabalha há trinta anos no Hospital das clínicas, horário comercial. Casado, duas filhas adolescentes é um marido esplêndido, um pai exemplar, um profissional altamente qualificado. A vida de Dr. Alcides se resume a um ser amado por três mulheres e adorado, admirado por todos os funcionários do hospital e amigos. O sino da igreja avisa que são 18h, o Dr. pode tirar o jaleco, acabou o horário do trabalho, o plantão ajuda e muito! Ligou para casa: - meu bem estou de plantão e chegarei tarde, não me esperem para o jantar, desligarei meu telefone.
Mas hoje, hoje não é noite de plantão, Dr. Alcides não é plantonista do hospital, esse detalhe só ele é quem sabe, pois, para a família são religiosos os plantões as segundas, quartas e sextas-feiras. Pegou o carro, saiu em direção oposta a casa e a todos os km que representam o lado do bem, do homem casado, do pai de família, da vida de Dr. Agora ele vai à direção de uma outra vida, a que ele aprecia e vive todas as segundas, quartas e sextas, essa ninguém conhece, mas ele a admira tanto quanto a outra já conhecida por todos. Agora ele segue a estrada não sabe o que lhe espera, mas tem a certeza de que a noite será boa.
O carro de luxo, o médico bonito, Dr. Alcides tem seu valor. Parou o carro, o moço quer carona? Aceitou e entrou no carro, o papo agradável, a noite convidativa, o frescor da libido, o clima, o ato, naquele motel o ato foi muito bom. A volta é sempre um drama, e Dr. Alcides já não pensa mais em como resolver o problema, isso já é uma questão resolvida, o moço deve ser eliminado e não deve deixar rastro. Convida-o para mais uma aventura, dessa vez o ato será ao ar livre, em contato com a natureza, e lá estão os dois em meio a um matagal, Dr. Alcides, atira e deixa o amante ali morto.
Chega ao lar, toma um belo banho, senta-se a mesa e come os preparos que a mulher deixou, vai em direção à cama, a acorda, a ama e dentre esse ato, afere palavras de amor, vai ao quarto das filhas beija-as, admira-as e vai dormir.
Na manhã seguinte, tomam café juntos, falam-se dos doentes do plantão e das suas angústias, medos, necessidades e o Dr. afirma que isso são os ossos do ofício. Beija a mulher, as filhas. Chega muito bem humorado no trabalho, resplandece energia boa, trata a todos com dedicação.
Os plantões não existem, mas o plantão é o alimento para sua alma.
Amanhã é dia de mais um, hoje jantarei com as minhas meninas. Foram ao cinema, assistiram a um bom filme e foram a um bom restaurante. Bia uma das filhas indignada comentou: - pai, um amigo do cursinho, foi encontrado morto em um matagal na zona leste, não se sabe como ele foi parar lá, pois ele mora aqui no bairro. Tínhamos dúvidas de que ele fosse homossexual, o exame do delito o comprovou ele fora violentado, a notícia no cursinho repercutiu e deixou-nos muito mal, ele assim como eu preparava-se para a medicina e seguiria a carreira do pai. Filho único, os pais estão desesperados. Amanhã é o enterro, como médico eu gostaria que o senhor fosse comigo e levássemos uma palavra de conforto. Podemos ir? Claro filha, nessas horas é que ganhamos ponto com Deus, ajudando o próximo no momento da dor. Iremos sim!
No outro dia saiu mais cedo do hospital devido ao compromisso . Chegaram ao velório, os pais choravam sem perspectiva de futuro, mas diziam que fariam de tudo para encontrar o desgraçado e iriam fazer justiça. Bia chama o pai para irem até o caixão, Dr. Alcides reconhece é a vítima do plantão, tão lindo, tão sereno, tão bom no ato e ali a olhar o morto sente-se tão feliz, tão realizado. A filha chora o pai a abraça forte, ficaram até o corpo ser enterrado. Entraram no carro e foram para casa, não houve uma só palavra e em meio a tanto silêncio o Dr. só conseguia pensar que amanhã é a noite de um novo plantão, e é só nisso que ele pensava.

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